sábado, 15 de janeiro de 2011

A vitamina da Páscoa - Fábio César dos Santos


Saúde Plena


A planta do cacau foi cultivada pela primeira vez entre os anos 250 e 900 da era Cristã, pela civilização maia, onde hoje ficam o México e países vizinhos, na América Central.

Os maias ofereciam as sementes para os seus deuses, usavam-nas como moeda, e com fins medicinais, para combater a fadiga e problemas no aparelho digestivo.

Muitos anos depois, alguns estudos têm demonstrado que a indicação de chocolate aos pacientes, algo que parecia absurdo algum tempo atrás, é novamente uma tendência.

Entre o povo kuna, do Panamá, que pode beber até 40 copos de suco de cacau por semana, a incidência de derrame, doenças cardíacas, câncer e diabetes é inferior a 10%.

Os kuna parecem ainda ter uma vida mais longa do que outros habitantes do Panamá e não desenvolvem demência, segundo relatório dos cientistas norte-americanos na publicação Chemistry and Industry.

Mas os especialistas destacam que a HERANÇA GENÉTICA e outros fatores ligados ao ESTILO DE VIDA também desempenham um papel na saúde das pessoas.

O pesquisador Norman Hollenberg, de Harvard, disse que o composto presente no cacau poderia beneficiar outras populações, embora admita que pode haver diferenças étnicas.

Ele ressalta que seus estudos são baseados em observações, então não podem fornecer provas irrefutáveis.

Hollenberg investigou os efeitos da EPICATEQUINA, substância presente no cacau, em centenas de idosos de culturas diferentes, assim como centenas de membros do povo kuna, nos últimos 15 anos.

"Meu interesse começou com o fato de o povo Kuna não desenvolver pressão alta", explicou.

Existem cerca de 70 mil kunas, metade vive no continente e outra, nas Ilhas San Blas, do Panamá.

"Eu estava procurando os genes protetores, mas a causa acabou sendo o meio ambiente.

Quando eles migraram para o continente com todos os benefícios da vida urbana ocidental, sua pressão sanguínea aumentou com a idade e a hipertensão se tornou muito comum."

E a incidência de morte por doenças cardíacas, derrame, diabetes e câncer ocorreu em seguida, segundo estudo publicado por Hollenberg no International Journal of Medical Sciences.

Os kuna que vivem em San Blas bebem um composto de cacau rico em FLAVONÓIDES (substâncias com alta capacidade ANTIOXIDANTE) como bebida principal, correspondendo a 900mg/dia, o que parece dar o título a esta população de a mais alta consumidora de produtos FLAVONÓIDES.

Hollenberg acredita que a bebida local dos kuna é a chave, e que sua descoberta é tão significativa que a EPICATEQUINA deveria ser considerada essencial em uma dieta alimentar e, portanto, classificada como VITAMINA.

No momento, a ciência não vê a EPICATEQUINA como composto com papel essencial, mas há muitas evidências que sugerem que ela pode ter efeito de proteção do organismo.

A EPICATEQUINA pode ser encontrada não apenas nas bebidas de cacau e em chocolates, mas também em chás, vinho e algumas frutas e legumes.

Um de seus efeitos, acredita-se, seria a elevação dos níveis de ÓXIDO NÍTRICO no sangue, que ajuda a relaxar os vasos sanguíneos e melhora a circulação.

Bebidas com FLAVONÓIDES ajudam na circulação.

O achado de Hollenberg vai ao encontro de uma série de outros estudos com as mesmas observações em relação ao sistema vasodilatador do ÓXIDO NÍTRICO.

Hagen Schroeter, do departamento de Nutrição da Universidade da Califórina, e colegas fizeram um estudo com um grupo de voluntários saudáveis do sexo masculino e demonstraram que as bebidas de cacau enriquecidas em FFLAVONÓIDES produziram dilatação e melhora do fluxo em comparação com as não enriquecidas.

Para comprovar que essa dilatação era mediada pela EPICATEQUINA e não outro componente do cacau, deram aos participantes um bebida de cacau rica em EPICATEQUINA versus placebo (bebida sem nenhum ingrediente).

É como se eu desse a um grupo um medicamento de verdade e ao outro uma pílula de farinha.

Os pesquisadores notaram que apenas o primeiro grupo obteve a dilatação dos vasos e o aumento do ÓXIDO NÍTRICO circulante.

Depois, inibiram a ÓXIDO NÍTRICO sintetase (enzima responsável pela formação do ÓXIDO NÍTRICO) e a dilatação não ocorreu, o que consagrou a importância do ÓXIDO NÍTRICO como chave neste mecanismo.

Estudo semelhante aparece no JACC (Journal of the American College of Cardiology) em 2005, comparando 12 tabagistas (seis homens e seis mulheres) em um estudo sobre os efeitos de uma bebida de cacau rica em FLAVONÓIDES e uma, com gosto exatamente igual, porém pobre em FLAVONÓIDES.

Houve aumento significativo dos níveis de ÓXIDO NÍTRICO circulante e também da dilatação após a ingestão do composto rico em na substância.

Esses estudos sugerem uma evidência na ação de compostos ricos em flavonoides na ação vascular.

Porém, não podem concluir nada a respeito da sustentabilidade deste efeito a longo prazo como redutor de eventos cardiovasculares.

Baseados nessa mesma linha de pesquisa, Dirk Taubert, da Universidade de Colônia, na Alemanha, publicou dois outros artigos interessantes em 2007. No primeiro conduziu um estudo com 44 adultos (de 55 a 73 anos) com pressão arterial normal-alta sem outros fatores de risco. Os indivíduos foram selecionados para receber um tablete (6,3g) de chocolate-escuro por dia ou chocolate branco livre de flavonoides por 18 semanas.

O consumo de chocolate-ESCURO reduziu a pressão sistólica média em até três pontos, sem mudanças em peso, gorduras e açúcar sanguíneos. A prevalência de hipertensão reduziu de 86% para 68%.

CHÁ - No outro estudo publicado nos Archives of Internal Medicine, Taubert fez uma meta-análise (análise de múltiplos estudos) comparando o resultado dos efeitos de produtos de cacau versus os do CHÁ VERDE e CHÁ PRETO.

Um total de 173 indivíduos analisados em cinco estudos sobre o consumo de produtos de CACÁU e 343 indivíduos em cinco estudos de consumo de CHÁ foram estudados.

Nos estudos de cacau observou-se uma queda nos níveis pressóricos. O mesmo não foi observado nos estudos de chá. Eles concluíram que apesar de ambas substâncias serem ricas em flavonóides, parece que é o tipo que faz a diferença.

Os presentes no cacau seriam mais ativos.

A magnitude dos efeitos hipotensivos (redutores de pressão) do cacau foram clinicamente notáveis neste estudo, comparáveis aos atingidos pelos betabloqueadores ou pelos inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) que são remédios clássicos para pressão alta.

Uma redução de quatro a cinco pontos na pressão máxima e dois a três pontos na pressão mínima podem corresponder a uma redução de 20% em derrames, 10% em doenças coronárias (angina e infarto) e 8% de mortalidade global.

No final de 2007, dois artigos sobre chocolate também chamaram atenção da comunidade médica. Andreas Flammer e equipe, do Centro Cardiovascular de Zurique, na Suíça, demonstraram que, comparado com o chocolate sem cacau, o chocolate escuro e rico em flavonoides induziu vasodilatação e redução da adesão plaquetária (formação de sangue grosso) em transplantados de coração, mesmo naqueles recebendo o tratamento preconizado para a prevenção de doenças cardiovasculares.

Foi o primeiro estudo a demonstrar que o chocolate é capaz de aumentar o fluxo coronário, de forma significante, em pacientes que já estão em terapias medicamentosas.

Nem sempre o tipo escuro é mais saudável

Apesar dessa hipótese crescente em vários estudos, sabemos que FLAVONÓIDES como a EPICATEQUINA são removidos do cacau comercial porque tendem a apresentar um gosto AMARGO.

Em editorial da Circulation de novembro de 2007, os doutores Norman Hollenberg e Naomi Fisher, do Brigham and Womens Hospital de Boston, no EUA, dizem que o termo ESCURO (dark chocolate) não seria o mais adequado na correlação com saúde, pois a cor não tem necessariamente relação com o conteúdo de FLAVONÓIDES.

No processo de manufatura, por muitas vezes há a destruição da substância, apesar de o gosto ainda ser AMARGO ou a cor permanecer ESCURA.

Se a indústria pretende usar o chocolate nas prateleiras de artigos saudáveis, deveriam mudar o comportamento e começar a descrever nos rótulos a porcentagem e o tipo de FLAVONÓIDES presentes nos produtos.

É hora de parar de falar apenas na coloração, gosto ou porcentagem de cacau e nos conectarmos com o que realmente leva ao impacto na saúde: a porcentagem de FLAVONÓIDES, especialmente de EPICATEQUINAS.

O nutricionista Daniel Fabricant, vice-presidente de questões científicas da Associação de Produtos Naturais, disse que a ligação entre alto consumo de EPICATEQUINAS e a redução do risco de doenças letais deve ser mais investigada.

"Pode ser que essas doenças sejam resultado de uma deficiência de EPICATEQUINA", sugeriu.

Outros estudos, em maior escala, bem desenhados e adequadamente controlados devem ser feitos para atestar todos esse benefícios sem esquecer da carga calórica e alta quantidade de gordura que e apresentada pelo elevado consumo de chocolate no reverso dessa moeda.

Mas podemos dizer que o mundo está mudando e as prescrições estão tornando-se mais agradáveis aos pacientes.

Afinal, quem não gosta de um bom cálice de vinho tinto e de um tablete de chocolate?

Ontem eu comi o meu ovo, ao lado dos meus filhos, sem peso na consciência.

Espero também tê-los deixado tranquilos após essa leitura. Saúde a todos!


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